Diário de bordo

Meus queridos e queridas, este blog foi criado para ser o diário de bordo da pesquisa de campo para meu Mestrado, junto ao Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia, com o apoio do CNPq. O trabalho intitulado "Pedra Afiada - Um convite para o teatro invadir a cidade" foi orientado pela Prof. Dra. Angela Reis. A pesquisa de campo foi realizada em Itambé, no sudoeste da Bahia, de março a agosto de 2010, onde alimentei este blog com informações e reflexões sobre a pesquisa e a escritura da dissertação. Depois de concluido o Mestrado (março/2011) o blog será utilizado como forma de divulgar e refletir os andamentos da cultura na cidade de Itambé. Esta é uma forma também de discutir a cultura em cidades de pequeno porte do interior da Bahia e do Brasil. Conto com a visita de todos. Ah, uma dica, como este blog funciona como um diário, para os marinheiros de primeira viagem é melhor acompanhá-lo de baixo para cima. Então busquem o primeiro post e boa viagem!!!





terça-feira, 2 de novembro de 2010

A voz que não quer calar!

Paulão, como é conhecido por todos em Itambé, é uma pessoa muito importante na minha vida. Quando comecei a fazer teatro, ainda criança, ele foi no grupo de teatro Astral, um dos atores que me encorajava a continuar. Para a realização desta entrevista ele escolheu o casarão que abrigou durante anos a fábrica de latícinios "Garota". Com o fim da fábrica este casarão, patrimônio da cidade, continua abandonado até hoje. Já pensaram em instalar por ali um centro cultural como vocês podem ler nas letras em azul, quase apagadas pelo tempo: Centro Cultural Pedra Afiada. Hoje o local é utilizado para ensaios de bandas musicais o que compromete a estrutura por conta do som emitido pelos instrumentos. Os artistas cansaram de lutar pela preservação deste espaço. Segue aqui um pouco da entrevista com este itambeense ilustre.








"Eu sou Paulo Ferreira Silva, conhecido como Paulão, tive uma infância sofrida. Não passei fome, mas passei muita necessidade, onde folha de quiabo já serviu como feijão na nossa casa. Sou facilmente de ser levado, conquistado, mas por muito pouca coisa posso romper uma amizade. Fiz teatro (Grupo Astral) fui criado como um bom católico. Tive essa base religiosa, fui muito ativo em minha religião. Mas depois eu resolvi sair do catolicismo. Fui chefe do grupo de Escoteiros, fui diretor do Coral da igreja, presidente do grupo de jovens. Aprendi muita coisa, especialmente com o Padre Juracy, mas achei por bem não ficar na igreja. Me tornei um protestante. Passei pela igreja Batista, Adventista e há dez anos estou na igreja Testemunhas de Jeová. Hoje eu sou feliz, tenho uma família boa. Duas filhas maravilhosas, uma esposa maravilhosa.

Itambé é uma cidade boa, foi onde eu nasci e cresci. Tem uma história parecida com a minha. Uma cidade sofrida, muito explorada ao mesmo tempo que é uma cidade muito rica. Foi perdendo com o tempo sua originalidade. Essa fábrica, por exemplo, exportava queijo e manteiga para todo Brasil. Acabou. Tá fechada. Aqui tinha três agências bancárias, hoje só existe uma. Muita gente adquiriu riqueza e foi viver fora daqui. Tudo que a cidade tinha foi perdido: os minérios, as madeiras, os rios.
Aqui eu passei grande parte de minha infância. Um período de grande pobreza. A gente vinha aqui pegar soro do leite pra se alimentar. Naquela época quando um pobre tinha acesso à carne era por conta do osso. Não tinha carne na casa do pobre. Esse casarão é histórico na cidade e deveria ser tombado. Aqui os coronéis prendiam pessoas para matá-las depois. Eles trocavam tiros dessas janelas. Aqui é o lugar mais importante da cidade pra mim.

Todo movimento cultural na cidade é movido pela política. Ou é a favor dos mais fortes ou a favor dos mais fracos. Você não tem motivação para ser uma pessoa da cultura na cidade. Livre. A cultura aqui é escrava.
Aqui já teve o grupo de Teatro Astral que acabou com o tempo. Não tivemos apoio nem motivação para continuarmos trabalhando. Tem muita coisa acontecendo nos colégios, mas na cidade, fora dos colégios, nada acontece. Entre as manifestações tínhamos o carnaval que era o melhor da região.

A única coisa que me faz permanecer aqui é o amor por essa cidade. Quem tem comércio aqui sofre junto com a cidade, porque o movimento no comércio aqui só acontece no final do mês, fora isso, as pessoas compram no comercio de Conquista. O que segura a gente neste lugar se não o amor?

O povo de Itambé não perde o vigor. Nós estamos dispostos a dar vida pela cidade. Tem muita gente assim aqui. Muitas estão indo embora, mas tem ainda gente que pode dar vida por esta cidade". (Paulo Ferreira, Comerciante, 48 anos)

Nenhum comentário:

Postar um comentário