Diário de bordo

Meus queridos e queridas, este blog foi criado para ser o diário de bordo da pesquisa de campo para meu Mestrado, junto ao Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia, com o apoio do CNPq. O trabalho intitulado "Pedra Afiada - Um convite para o teatro invadir a cidade" foi orientado pela Prof. Dra. Angela Reis. A pesquisa de campo foi realizada em Itambé, no sudoeste da Bahia, de março a agosto de 2010, onde alimentei este blog com informações e reflexões sobre a pesquisa e a escritura da dissertação. Depois de concluido o Mestrado (março/2011) o blog será utilizado como forma de divulgar e refletir os andamentos da cultura na cidade de Itambé. Esta é uma forma também de discutir a cultura em cidades de pequeno porte do interior da Bahia e do Brasil. Conto com a visita de todos. Ah, uma dica, como este blog funciona como um diário, para os marinheiros de primeira viagem é melhor acompanhá-lo de baixo para cima. Então busquem o primeiro post e boa viagem!!!





terça-feira, 7 de setembro de 2010

Arte ou tarja preta?





Tem uma situação que sempre me incomoda quando estou em Itambé: o descaso com que os artistas são tratados. Isso inclui a memória dos artistas que se foram e a manutenção da carreira dos artistas que continuam vivos. Claro que isso não acontece só em Itambé, mas em uma cidade pequena onde todos se conhecem é bem mais fácil cuidar dos seus filhos. Há pouco tempo participei de uma homenagem a Eva Figueredo (ver postagem: Um dia chamado EVA) e sai muito emocionado, preocupado com o futuro da arte na cidade. Em Itambé é muito comum você ficar sabendo que um artista deixou o oficio para ser pedreiro, professor, pai, mãe, padeiro, padre, etc. Até ai tudo bem, nenhuma profissão é melhor do que outra. Mas, o que me dói é quando um artista não se sente estimulado a continuar, quando ele se cansa de lutar por algo que só traz benefícios. O acesso a arte é um direito de todo cidadão. Nestes meses que passei em Itambé vivi um reencontro que me chocou muito. Na minha infância fui participar de um show de calouros num circo que estava na cidade e lá eu conheci uma cantora, que viria a ganhar o concurso, muito talentosa. Ana Lídia é o nome dela. Lídia depois deste acontecimento ganhou fama e cantou nas bandas mais importantes da cidade e da região. Uma figura marcante, exótica de voz rouca. Muitas coisas aconteceram na vida dela e hoje Lídia precisa de ajuda, precisa de amor, precisa de música. Ela foi uma de minhas entrevistadas, queria ouvir o que ela tinha a dizer e tentar entender o que tinha acontecido. “Sou cantora, cantei em várias bandas mas, me perdi. Tenho três filhos. Eu nunca fiquei sem trabalhar, desde pequena eu sempre trabalhei e sempre soube que eu não tinha nada nas mãos, se eu tiver um caderno e ver outra pessoa precisando eu dou o caderno, nem que depois eu tenha que pedir um pra mim, quanto mais eu dou mais eu ganho. A vida continua" , desabafa.
Hoje, Ana Lídia está hospitalizada, a base de remédios fortes que a fazem dormir por dias inteiros, mas não é de remédio que ela precisa, aliás o remédio é outro: ela precisa de arte, de música, de confiança. Senti isso no olhar dela. Vários artistas se foram como Carlos Lopes Almeida, Marina Lira, Eva Figueredo e vão sendo esquecidos a cada dia que passa. A nova geração nem sabe que existiu um grupo de teatro chamado Astral. Outros artistas saíram da cidade para aventurar novas possibilidades como eu, Hugo Camizão, Klero Silva e outros tantos continuam a se manter na cidade como Cris Melo Gusmão, Manoel Dias, Cíntia Gusmão, Zizi Ferreira, Thadeu Campos, os meninos das bandas Simplicidade e Alarme Falso,Thide Lira, Dani Rodrigues, Romuel Soubiraus, Cida Lemos e o grupo Hitmu´s, Mateus Cerqueira, Lucio Ribeiro, Zé de Sula,Tadeu Cerqueira, Eduardo, Arilson Almeida. Outros mudaram de oficio como Marcelo e Neilton Rodrigues, Marcão, Paulão, Lucinha. Esses nomes estão vindo na minha cabeça, mas é claro que não conheço todos e é claro que minha memória pode falhar,então me ajudem a manter viva esta lista,vamos fazer um levantamento destes artistas de ontem e de hoje, me mandem informações, colaborem. Ah, por favor, levem música para embalar os dias anestesiados de Ana Lídia, façam isso pela arte que tudo pode curar. Hoje é ela, amanhã pode ser eu, você.

Agora, um momento de silêncio em nome da alma de Lídia. Hoje, 13 de outubro de 2010 ela nos deixou e foi procurar música em outra dimensão...Mais uma estrela que nos deixa para encontrar outras estrelas no céu...Vá lá minha amiga e cante tão profundamente que a gente possa ouvir daqui a sua voz!!!

9 comentários:

  1. Marcelo,meu querido.Acho que vc e outros como regi estão fazendo o que será a marca de nosso tempo, em contraponto a este tempo duro que está passando. Vcs estão cuidando do que é local, daquilo que existe de mais lindo, puro e genuíno e sobretudo daquilo que é brasil. Ele acaba de realizar o colóquio cem anos de José Carvalho. Veja com ele algumas estratégias para manter viva a história de sua cidade. Sobre essa e outros artistas, lembrei-me desta linda canção de Chico:

    A novidade
    Que tem no Brejo da Cruz
    É a criançada
    Se alimentar de luz
    Alucinados
    Meninos ficando azuis
    E desencarnando
    Lá no Brejo da Cruz
    Eletrizados
    Cruzam os céus do Brasil
    Na rodoviária
    Assumem formas mil
    Uns vendem fumo
    Tem uns que viram Jesus
    Muito sanfoneiro
    Cego tocando blues
    Uns têm saudade
    E dançam maracatus
    Uns atiram pedra
    Outros passeiam nus
    Mas há milhões desses seres
    Que se disfarçam tão bem
    Que ninguém pergunta
    De onde essa gente vem
    São jardineiros
    Guardas-noturnos, casais
    São passageiros
    Bombeiros e babás
    Já nem se lembram
    Que existe um Brejo da Cruz
    Que eram crianças
    E que comiam luz
    São faxineiros
    Balançam nas construções
    São bilheteiras
    Baleiros e garçons
    Já nem se lembram
    Que existe um Brejo da Cruz
    Que eram crianças
    E que comiam luz

    Um abraço grande, amigo.

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  2. Dri, a cada aparição sua no blog novos desejos surgem em mim...o desejo de continuar este caminho doloroso que é a pesquisa...Mas que bom que além da dor ela nos traz prazer como os encontros e diálogos e aprendizagem...estou de volta a Salvador,vamos nos encontrar,
    outro forte abraço para você.

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  3. Marcelo, que iniciativa grandiosa! Infelizmente, convivemos num país que vira as costas para a arte, quanto mais para os artistas! Só que sem arte, a vida perde o sentido... tudo fica muito sóbrio,sem cor, sem calor! Força, viu! Super beijo!

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  4. É triste mesmo essa realidade, mas não podemos parar...nunca!Grande beijo...

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  5. Marcelo, me comoveu muito td que li sobre Ana Lídia e nada mais é que a pura verdade. Esse descaso as vezes faz parte até mesmo dos própios artistas.Ela não precisa de pena, mas de atitude daqueles que ainda acreditam na arte, na transformação de uma realidade ruin...

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  6. É meu querido, foi o que senti quando me deparei com a situação que ela se encontra. Espero que outros artistas ou qualquer outro cidadão não passe pelo que ela está passando.

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  7. Òtimo falar de um assunto que tem acontecido muito nos ultimos anos a distância que o povo tem um do outro é terrível ninguem liga mais pro seu semelhante pôxa uma pessoa como Ana Lídia nossa querida Sarajane de Itambé tanto nos alegrou com sua vóz maravilhosa que agora se encontra rouca.Vamos meus queridos é precisso mudar á começar de nós artistas Itambeense.um beijo e muita luz

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  8. Oi Marcelo, adorei seu trabalho, vendo as fotos fiquei triste por Lídia uma pessoa legal que deixou seus sonhos e filhos, bjs querido amigo.

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  9. Simone minha querida, continue visitando o blog. Grande beijo.

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