Saiu hoje no jornal A Tarde, um artigo escrito por mim. Como a imagem scaneada não possibilita a leitura, publico logo abaixo o texto na integra...Vamos abrir o debate da independência cultural de todas as cidades do Estado da Bahia.
Caldeirão Cultural (?)
Marcelo Sousa Brito
Ator e diretor, mestrando em artes cênicas pela UFBA
marcelo.sousabrito@gmail.com
Já estamos cansados de ouvir falar que a Bahia é um caldeirão cultural. Mas o que pouco se fala é que nesta mesma Bahia existe uma Bahia que o próprio baiano desconhece: a Bahia que se encontra no fundo deste caldeirão. Afastadas dos grandes centros urbanos, as cidades de pequeno porte vivem às margens do desenvolvimento cultural e lutam para manter vivas suas tradições e manifestações culturais. Muitos artesãos abandonam o oficio, que, muitas vezes, é o meio de sustentar a família, porque as grandes lojas, as grandes marcas já vendem nos shoppings versões “repaginadas” de produtos que encontramos nas feiras e nos mercados. Cria-se assim uma concorrência desleal com quem não tem a propaganda nem as grandes modelos vendendo suas criações.
No interior, tanto da Bahia como de qualquer Estado brasileiro, é comum encontrar cidades nesta situação. Os governos, os patrocinadores, as grandes empresas só se interessam em financiar aquilo que está próximo do grande público, o que oferece visibilidade imediata. Assim, o artista que está distante de onde a mídia se concentra vê o seu oficio ameaçado. Itambé é uma cidade assim. Situada no sudoeste da Bahia, entre Vitória da Conquista e Itapetinga, esta cidadezinha de aproximadamente trinta e três mil habitantes e oitenta e três anos de emancipação política vive neste momento um silêncio, um vazio cultural.
Muitas ações vêm sendo desenvolvidas e criadas para favorecer a descentralização de verbas públicas para a cultura, mas há de se pensar no atraso em que estas localidades estão em relação aos meios de informação/comunicação. Estas verbas disponibilizadas pelos governos (Municipal, Estadual e Federal), para atender a população de forma democrática, são oferecidas através de editais, cujos formulários de inscrição são preenchidos on-line pela internet. Mas, nenhuma ação ou serviço foi oferecido para os artistas de Itambé, que em sua grande maioria ou não possui computador/internet em casa ou não teve a oportunidade de se familiarizar com a ferramenta. Inviabiliza-se, assim, que um grupo de terno de reis da cidade, por exemplo, grave um CD para que as novas gerações conheçam esta manifestação quase em extinção. Itambé não é um caso isolado e sim mais um exemplo.
Vivi, durante seis meses, o cotidiano da cidade, onde realizei a pesquisa de campo de meu projeto de Mestrado “Pedra afiada: um convite para o teatro invadir a cidade”, registrada no endereço www.pedraafiada.blogspot.com. Fui em busca de uma imagem coletiva desta cidade, em busca da opinião destes habitantes que estão ali esperando que algo aconteça: com eles e com a cidade.
Foi uma batalha diária fazer romper as barreiras construídas ao longo da história da cidade no tocante à falta de hábito dos moradores de ocupar os espaços públicos urbanos, de vencer o medo de sair de casa e enfrentar o desconhecido, o novo. Mas uma coisa não foi difícil: sentir que os itambeenses não só esperam algo acontecer como estão preparados para a mudança. O estímulo, o acompanhamento, a assessoria, o acesso à informação é que estão faltando. Invadir a cidade e fazer o cidadão pensar, refletir, agir através da arte dá um novo vigor ao debate. Oferece meios de pensar/viver a cidade produzindo um conhecimento que passará por gerações.
Itambé é uma cidade nova. Não encontramos obras de arte antigas ou modernas pelas ruas. Não temos no seu patrimônio nenhuma grande criação da arquitetura, mas lá, nos planaltos, montanhas e vales desta região peculiar deste Estado chamado Bahia, nós encontramos um povo disposto a defender seu lugar, a aprender a conviver com a distância, mas pronto também para saber como diminuí-la. Os habitantes de Itambé, assim como de qualquer cidade deste imenso fundo do caldeirão chamado Brasil, querem ter os mesmos direitos e deveres sem sair de onde eles estão: longe dos grandes centros.
terça-feira, 28 de setembro de 2010
Leia, leia...A Tarde
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Lendo seu texto e vendo a reportagem da sudoeste, o que tenho a dizer é que seu projeto tem trazido à praça, que carece de obras arquitetônicas, uma arquitetura viva, que é o econtro de moradores com a própria cidade, com suas histórias, seus vizinhos, suas pedras. Claro que a cidade merece obras de arquitetura e de todas as artes. mas, quem sabe num tem um arquiteto escondido debaixo dessas pedras afiadas que se insurja agora? Quanto aos editais, acho que juntar o que se tem feito pelo interior, que eu acho que é significativo, apesar de nao ser tudo, com o que você está fazendo, é um caminho eficaz para redescobrirmos o lugar dos artistas nestas e em outras cidades brasileiras.
ResponderExcluirAi Adriana, estou num momento de dilemas...O envolvimento com o objeto, que não deixa de ser "eu", foi tanto que minha cabeça não para. Uma loucura. Além do blog mantenho meu celular local. Falo quase que diariamente com as pessoas de Itambé em busca de respostas para estas perguntas. A vida continua e Itambé esta cada vez mais em mim. BEIJOS!
ResponderExcluirMarcelo,
ResponderExcluirGostei muito do seu artigo no A Tarde e também adoro ficar lendo o seu blog. Sinto saudades das minhas andanças nos bairros populares de Salvador desenvolvendo as nossas pesquisas. Quando comecei a acompanhar o seu blog percebi como aquele espaço-tempo da cidade de Itambé o cutucava. Acostumados com a rapidez dos processos das grandes metrópoles acho que as “pausas” das pequenas cidades até nos insultam...rs! Não sei se era assim que você sentia as situações vividas por lá. Depois, fui percebendo que você começava entender o vivido daquele lugar e ficava buscando caminhos e caminhos... Através de ações simples, mas não simplistas, como o “Chá para todos”, a “Calçada do Leitor” sua pesquisa convidava ao encontro e à ocupação dos espaços públicos na/da cidade. Encontros que estão cada vez mais distantes devido ao nosso medo do outro que é diferente. Como atualmente não sabemos lidar com a diferença, buscamos o caminho do isolamento. Nesse processo a arte se perde, porque ela pulsa pelo encontro. Vi isso claramente nos seus relatos do blog! Para terminar, apenas discordo no seu artigo quando você diz que a cidade vive um vazio cultural, talvez uma inércia e/ou silêncio. Não consigo enxergar um vazio cultural nos moldes que você defende a arte e a cultura. Bom é isso! Sucesso na escrita da dissertação.
Beijos,
Cláudia.
Cláudia, saudades também...Bom te ter por aqui....É dificil explicar o "vazio" mas "inércia e/ou silêncio" também cabem...O vazio talvez, porque existem algumas atividades mas sem se comunicar com o público...distanciadas...
ResponderExcluirMarcelo,
ResponderExcluirPor falta de visões críticas mais apuradas, ficamos sempre em discussões menores. Sou tido como chato por tocar em assuntos que considero fundamentais e ninguém tem vontade, coragem ou disposição pra fazer. Gosto muito do seu texto porque ele é apartidário, e demonstra um carinho, uma vontade de melhora através da arte, em si.
Fiz algumas poucas viagens pelo interior, recentemente (uma, até, bancada pela FUNCEB, circulando com "Os Javalis"), e cada dia me convenço mais que é necessário que haja uma circulação de material humano capacitado, pelo interior do estado, pra justamente capacitar o potencial imenso do interior e de seus agentes.
Falei em Itabuna e Ilhéus, que, antes de ganhar dinheiro pra fazerem teatro, eles precisam se capacitar. Acho uma bobagem essa coisas opressiva de dizer que "no interior eles fazem o teatro deles". Não, eu sinto uma disposição e vontade de melhorar, de conhecer, há um desejo de conhecimento, de crescer como artista que não é com dinheiro de edital, de forma solta e deserganizada, que isso vai melhorar.
A política de edital é neoliberal. É preciso um trabalho in loco, e parabenizo você por estar encampando isso. Teria muito mais a falar, mas aí vira outro artigo. Vamos trocar idéias, pensar o interior, haverá mudanças no governo estadual e é a hora de metermos o dedo na ferida e sugerir ações efetivas. Conte comigo. Pode não parecer a muitos que interpretam críticas como ofensas, mas o que quero, no fundo, é que tudo melhore pra todos.
abração e, mais uma vez, parabéns!
Gil meu querido, bom saber que você passou por aqui...
ResponderExcluirItambé tem me servido para pensar o mundo, não só a Bahia ou o Brasil...
Eu nasci em Itambé e muito do que sou como individuo e como artista eu adquiri lá...O que sou hoje começou a ser desenhado lá e depois de ter rodado muito, estudado muito, (o que faço até hoje) morado fora do Brasil duas vezes eu descobri que eu sou muito mais Itambé do que qualquer lugar...A questão é que sou jovem, tenho fome e preciso de vida e a vida, as vezes, você precisa ir atrás dela...Engraçado é que depois de sair em busca de vida, depois de dezesseis anos fora, eu retornei a Itambé em busca de vida e eu encontrei. Vida pra mim quer dizer movimento. Quer dizer liberdade. E eu escolhi ser livre. O movimento que existe em Itambé hoje é o movimento da descoberta, de recuperar o tempo perdido, de se redescobrir, voltar a ser criança e se encantar com o que está por vir...E todo artista, seja aqui, ali ou acolá tem a aprender com isso. Desde que ele seja livre.
Marcelo, parabéns pelo texto!! Tudo que você colocou neste texto são algumas das minhas muitas inquietações sobre as artes na Bahia! Só acho que os editais de incentivo a cultura,quase sempre privilegiam as mesmas pessoas do cenário teatral baiano, o que é preocupante! Infelizmente, os artistas do interior ficam excluídos das poucas oportunidades existentes no Estado! Precisamos mudar este quadro urgentemente!Parabéns por sua iniciativa! Beijocas!
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