Diário de bordo

Meus queridos e queridas, este blog foi criado para ser o diário de bordo da pesquisa de campo para meu Mestrado, junto ao Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia, com o apoio do CNPq. O trabalho intitulado "Pedra Afiada - Um convite para o teatro invadir a cidade" foi orientado pela Prof. Dra. Angela Reis. A pesquisa de campo foi realizada em Itambé, no sudoeste da Bahia, de março a agosto de 2010, onde alimentei este blog com informações e reflexões sobre a pesquisa e a escritura da dissertação. Depois de concluido o Mestrado (março/2011) o blog será utilizado como forma de divulgar e refletir os andamentos da cultura na cidade de Itambé. Esta é uma forma também de discutir a cultura em cidades de pequeno porte do interior da Bahia e do Brasil. Conto com a visita de todos. Ah, uma dica, como este blog funciona como um diário, para os marinheiros de primeira viagem é melhor acompanhá-lo de baixo para cima. Então busquem o primeiro post e boa viagem!!!





quarta-feira, 26 de maio de 2010

Oropa, França e Itambé


Dando continuidade à publicação das impressões dos meus amigos sobre itambé, posto hoje, a opinião de meu amigo Jean, grande parceiro. Trabalhamos juntos durante o primeiro FIAC, em Salvador, quando a companhia do Peter Brook esteve na Bahia para apresentar um de seus espetáculos. Eu como interprete e ele como técnico de luz. Jean, uma pessoa sensível, esteve aqui me visitando. Vale lembrar que a presença dele foi de suma importância na realização da ação "Calçada do leitor"...Divido agora com vocês, as impressões dele sobre a cidade, em francês e em português.


"Quelle invitation ! quel cadeau ! quel accueil m´a venue à Itambé.
Je suis arrivé à Itambé au moment du déjeuné par une route sinueuse qui traverse un océan de montagne verte, bercé par un autobus qui alimentait mes rêves d’un Brésil immense et doux, le ciel était infini et un sentiment de liberté m´a envahi.
L’invitation était celle de Marcelo qui m’a proposé de passé une semaine avec lui dans sa ville.
Le cadeau fut de partager avec lui un moment de son projet, Projet que je connaissais au travers de son blog, mais comme ma langue n’étant pas le Portugais je ne percevais pas bien les raisons et le but de son projet. Je l’ai pris comme un présent, d’une grande confiance de sa part et au moment où j’écris, j’ai peur de pas être à la hauteur de ce cadeau.
Son projet est d’aller à la rencontre des gens, et de partagé avec eux leur vie au travers d’un dialogue, de partager leurs futurs, leurs espoirs afin d’en faire un spectacle dans la ville. Ce fut pour moi d’une grande humanité, et j’ai reconnu en moi certains de mes propres espoirs, je ne me suis pas senti différent des habitants d’Itambé. Encore une fois un processus artistique m’a ouvert les yeux et a crée une passerelle entre les gens, un dialogue possible révélé par ce processus artistique, par ces hommes et femmes qui créaient du lien et du sens à nos vies.
Il existe de par le monde un grand nombre de ces petites villes, où le temps semble s’être arrêté, où les bibliothèques ne semblent être qu’un vague souvenir et où l’on sent la présence des fantômes du passé.Ces villes où la télévision règne en maître et quand viens l’heure du week-end, le seul passe-temps et de se saouler de mauvais alcool pour oublier la dureté de la vie, du travail.
Ces villes où les églises ou les mosquées sont pleines, car elle sont le seul endroit de communion et de rencontre où l’on vient partager un moment avec ses amis ses voisins. Ces villes où les théâtres sont vides de sens et de gens, quand je suis rentré dans le théâtre d’Itambé, j’ai ressenti beaucoup de tristesse, car en poussant la porte, il était vide comme une coquille, seules quelques jeunes filles répété quelques pas de danse, comme l’on peut voir à la télévision du monde entier, dans un bruit assourdissant.
J’ai été très touché par le projet de Marcelo, de créer un spectacle dans sa ville natale en s’inspirant de la vie des gens qui l’habite, de leurs histoires.C’est pour moi un acte politique majeur, mais politique au sens Étymologique, c’est-à-dire la science de la vie de la cité, participé à la vie de sa cité.Merci Marcelo pour ton travail, pour les ballades nocturne et merci aux gens d’Itambé".


"Que convite! Que presente! Que acolhimento eu tive em Itambé!

Eu cheguei em Itambé no momento do café da manhã, por uma estrada sinuosa que atravessa um oceano de montanhas verdes, levado por um ônibus que alimentava meus sonhos de um Brasil imenso e doce. O céu era infinito e um sentimento de liberdade me invadiu. O convite foi este que Marcelo me propôs, de passar uma semana com ele nessa cidade. O presente foi de dividir com ele um momento de seu projeto, projeto que eu conheci através deste blog, mas como minha lingua não é o português eu não percebia bem as razões e os objetivos de seu projeto.

Eu tomei como um presente, de uma grande confiança de sua parte. E, no momento em que escrevo, eu tenho medo de não estar à altura deste presente. Seu projeto é de ir ao encontro das pessoas, e de dividir com elas sua vida através de um diálogo, de dividir o futuro deles, suas esperanças, afim de fazer um espetáculo na cidade. Isto foi para mim de uma grande humanidade, e eu reconheci em mim algumas de minhas próprias esperanças, eu não me senti diferente dos habitantes de Itambé.

Mais uma vez, um processo artístico me abriu os olhos e criou uma passarela entre as pessoas, um diálogo possível revelado por este processo artístico, pelos homens e mulheres que criam ligações e sentidos em nossas vidas. Existe no mundo um grande número de pequenas cidades, onde o tempo parece ter parado, onde as bibliotecas parecem ser uma vaga lembrança e onde a gente sente a presença dos fantasmas do passado. Estas cidades, onde a televisão reina e quando chega o fim de semana o único passatempo é o alcool, para esquecer a dureza da vida, do trabalho. Estas cidades onde as igrejas estão cheias, pois elas são o único lugar de comunhão e de encontro onde eles vão dividir um momento com seus amigos e vizinhos.

Estas cidades onde os teatros estão vazios de sentido e de pessoas; quando eu entrei no teatro de Itambé eu senti muita tristeza, pois, abrindo a porta, ele estava vazio como uma concha, somente algumas meninas ensaiavam alguns passos de dança, como a gente pode ver na televisão do mundo inteiro, com um barulho ensurdecedor.

Eu fiquei super tocado pelo projeto de Marcelo, de criar um espetáculo em sua cidade natal, se inspirando na vida de seus habitantes, de suas histórias. Isto é para mim um ato político maior, mas político no sentido etmológico do termo, quer dizer, a ciência da vida da cidade, participar da vida de sua cidade.

Muito obrigado, Marcelo, por seu trabalho, pelas caminhadas noturnas, e obrigado também às pessoas de Itambé".

(Jean Dauriac - Técnico de luz do Centro Internacional de Criação Teatral - Dirigido por Peter Brook - Paris/França)
P.S. A foto foi feita por ele.



segunda-feira, 24 de maio de 2010

Cabana do Forró


Mais uma semana se inicia. A vida continua aqui em itambé. Já realizei uma grande parte das entrevistas. Comecei a visitar os colégios para identificar futuros colaboradores. Uma ficha foi providenciada para cadastrar interessados em participar de alguma forma das ações. Agora o caminho começa a se aproximar de uma prática. Agir! O maior número de pessoas. No final do dia, eu estive na Rádio Luz, para participar do programa "Cabana do Forró". Duas horas de muita diversão e conversa com os ouvintes. Adorei reencontrar alguns amigos e divulgar o andamento da pesquisa. O programa é apresentado por Samarone Alves e tem a participação do Coronel (Arilson Rodrigues, meu amigo de longas datas, parceiro de teatro), a comadre Jarda (Zizi Ferreira, dispensa apresentação), compadre Melquiades (Guiguiu, grande comunicador), o compadre Pedro Querozene e a participação especial do compadre Cabelo de Fogo. Para quem ouve o programa fique sabendo que o clima lá no estudio é de pura festa.

sábado, 15 de maio de 2010

Novos Rumos: afiar paralelepípedos!




Chegou mais um comentário com impressões sobre a cidade. Amós Heber, ator e cantor soteropolitano, meu parceiro no Coletivo Cruéis Tentadores, esteve aqui me visitando e ainda por cima participou da ação "Calçada do leitor". Que venham mais visitas!



"Passar por Itambé foi uma maravilhosa experiência de redescoberta do meu país. Aquilo que imagino como Brasil cada dia mais se reorganiza nas minhas idéias e forja-se como uma nova pedra preciosa a ser mantida em sua brutalidade ou burilada na sua essência. Uma cidade calma, organizada, de movimentações quase que combinadas, poucas pessoas pelas ruas, poucas badalações. Cidade onde a fé rege importantes passos dos seus poucos habitantes. Um ar agraciado de um passado que se remete a uma riqueza anexa e perdida nos seus antigos casarões. Gente boa, hospitaleira, cuidadosa, sempre atenta às novidades. Uma cidade que em seu tamanho pungente diz ao que veio e para que funciona, bem como o que em si, ela se basta. Mas algo que pede para ser rompido e/ou inaugurado: um sistema de fluxo de informações via produções artísticas locais e a necessidade de distribuição e crescimento econômico que tangencia o nosso país. Vêem-se pessoas inteligentes, intelectuais dedicados, artistas promissores, religiosos, profissionais de diversos ramos que necessitam de apoio, força e reconhecimento pelo que desenvolvem. Sem mais contarmos com aquelas histórias que nos empurram a mente, de fantasmas que nunca fizeram nada, mas acabaram por merecer bustos. Cidade que pede uma renovação de ousadia do que é seu. E esse patrimônio está pungente nos seus rostos avermelhados que esperam estampar não somente livros, mas basear o inconsciente coletivo da pequena e respeitosa cidade. As curvas do “Maçal” esperam forças motrizes que as completem como ventos e gritem aos cantos do mundo: “Itambé”. Pedra afiada, ela que fere e rompe, inaugura e festeja a diversidade. E assim vejo esse pequeno pedaço do meu país que tanto se repete em outros pequenos e valorosos pedaços de outros estados e regiões: um paralelepípedo gritando por ser afiado. Sim, vamos romper, a revolução agrada aos viciados em estruturas viciadas. Digno ver um filho da cidade, Marcelo Sousa Brito, revê-la após tantos anos e oferecê-la uma nova visão, nem inferior, nem superior, mas sistêmica. Ao passar do tempo, em que vejo fatos como este, de um filho poder dispor idéias a sua terra, é que retraduzo para mim a confusa frase “não, ninguém segura esse país” para “não, ninguém segura os ilustres filhos desse país”. Quem nasceu a pisar em terras sabe da (dês)importância dos chãos cobertos por granito."

Amós Heber

Na Band!




No dia 03.05 estive no estúdio da Band Conquista, para participar do programa Band Notícia, onde fui entrevistado pelos radialistas Bramon e Max. Esta foi a segunda vez que estive no programa para falar do andamento da pesquisa. A divulgação também faz parte do processo como descentralização da notícia, da informação. Outros veículos do estado e de outras localidades deverão dar sua contribuição para que este trabalho seja conhecido para além do meio acadêmico e artístico.



Um grande abraço para os amigos Wesley Cunha, Cássio, Isac Bijoux e Sheila Lima. Sempre muito carinhosos comigo.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Calçada do leitor



















A minha cabeça não para de fervilhar ao mesmo tempo em que realizo as entrevistas pela cidade. A cada conversa com um morador em um dado local da cidade, novas idéias e novas possibilidades de "ação" me chegam de forma frenética. Este mês também foi o mês das visitas e com elas outras idéias, outros estímulos. Depois da visita de Angelo tive o prazer de receber no meu castelo Amós Heber, ator e cantor, parceiro de trabalho junto ao Coletivo Cruéis Tentadores e o criador de luz para espetáculos, Jean Dauriac, francês que ama a Bahia e carrega uma curiosidade pelo meu trabalho. Esses dias de conversa e andança pela cidade me estimularam a experimentar a primeira ação deste processo. Convidamos Cláudia, Tide Brito e sua filha Raiça e ocupamos a calçada da extinta Casa do Estudante de Itambé, para uma tarde de leitura. Nesta ação pudemos perceber como a leitura é um luxo para poucos. Entre as diversas reações que tivemos dos passantes é que "tinhamos uma vida boa, por estarmos ali, sentados e lendo, esperando o tempo passar." Depois deste experimento a calçada estará sempre disponível para todo tipo de leitura. É só levar seus livros, revistas, jornais e ocupar o seu tempo com algo tão precioso: informação e conhecimento.

Além das fotos, segue um pequeno vídeo para dar uma idéia da ação.

P.S. Romuel Soubiraus, Caio Vieira, Lêda, Gal, Maruzana, Rafael passaram rapidamente, mas passaram.

Nas estrelas!!!

Ninguém se chama EVA sem nenhuma razão muito forte. Esta pequena grande mulher, fez o teatro cruzar meu caminho. Como uma desbravadora que deixou São Paulo para descobrir a Bahia ela também me descobriu em suas aulas de inglês quando eu era ainda uma criança e me levou para o Grupo de Teatro Astral, o único grupo de teatro da cidade. Eu te agradeço EVA e vou te agradecer sempre. Te devo essa. Este fim de semana, dia 08.05 EVA nos deixou para ir brilhar além das estrelas e deixou a cidade muda, calada, parada, sem ação. Você cruzou minha vida como um raio. Você está dentro de mim.

Esta foto foi feita durante a oficina "Em busca de um corpo híbrido" que coordenei em Itambé, durante a turnê do Coletivo Cruéis Tentadores pelo sudoeste baiano com o projeto "Guilda na Estrada" (março de 2008)...Ela esteve lá...BRILHANDO!!!

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Itambé: Impressões fenomenológicas

Caros seguidores e afins, a partir de hoje estarei publicando aqui, as impressões deixadas pelos amigos e colaboradores sobre a cidade de Itambé e sobre o trabalho que estou desenvolvendo. Angelo Serpa estréia esta sessão. Boa reflexão para todos!


"Itambé está imersa em uma paisagem-cenário. Descer o planalto de Conquista em direção aos vales pedregosos dos rios Pardo e Verruga é submergir numa paisagem de névoas e sonhos, ônibus deslizando sonolento por curvas de estrada sinuosa revelando o tempo todo quadros e mais quadros em perspectiva. Sempre deslizando por entre curvas em perspectiva.
A paisagem humana que se revela após a descida é uma mistura de rural e urbano, de feiras animadas, procissões e missas. O que aparece de perto é uma paisagem de comunidades eclesiais espalhadas por todos os bairros da cidade. Comunidades ativas e participantes do cotidiano da cidade. Pequena cidade de praças de todo o tamanho, ligadas por ruas calçadas de pedras. Praças algumas vezes abandonadas, outras vezes apropriadas, usadas como extensão da casa, a rua virando casa, uma extensão da casa.
Itambé acolhedora, de cadeiras na porta, debruçadas sobre a calçada, churrasco e ensopado de peixe no quintal, carne de sol e aipim divinos, ouvindo os causos de Lô, tarde em ilhas fluvias, iluminadas pelo sol serrano e implacável.
Itambé amedrontada e recolhida nas casas, a renúncia ao espaço público pelo conforto e segurança da esfera privada da família.
Itambé de escolas, mas sem universidade presencial, cidade pequena a inspirar grandes sonhos.
Itambé-cenário, a inspirar invasões teatrais e ações cênicas. Pedra afiada à espera da invasão, da subversão iminente."


(Angelo Serpa, 3 de maio de 2010, na metrópole soteropolitana, à beira-mar e distante das montanhas.)